Os caminhos de Francisco
Por Mariana Naves, minha amiga peregrina.
Existe uma frase de um poema que desde que o li pela primeira vez me toca: “Quando o amor chamar, segui-o.” ( – Khalil Gibran). É com ela que resumo o ponto de partida dessa peregrinação pelo caminho de Francisco e o ponto central do mesmo.
Ir para esta caminhada foi um chamado do amor
Minha relação com este santo nunca foi católica. Conheci Francisco de Assis através do espiritismo, era o nome da casa que frequentava quando era ainda mais nova. O trabalho que liderava este centro era voltado para a caridade no sentido prático da coisa, e foi lá que tive contato com a oração de Francisco, foi ela que pautou boa parte da minha vida dali por diante, buscar “ser instrumento de paz”, ser canal de amor, ser veículo para aquilo que é justo e necessário de chegar, e buscar fazer toda lapidação que este processo envolve… o estar a serviço. Caminho difícil, mas bonito. Como o dele na prática.
Poderia falar muito mais sobre as diversas formas que Francisco foi inspiração e guia. O valor do Cântico das criaturas para mim, e tanto mais que ele inspirou, mas tudo isso é muito particular e prefiro deixar a cada um a própria inspiração que este santo provoca, enquanto volto ao ponto inicial: o chamado.
A gente pode se enganar muito na vida, com muita coisa, mas existem momentos e situações que algo nos toca com uma profundidade difícil de ser negada. Nos move, nos impulsiona, nos faz caminhar – literalmente – e essa era a minha hora. E eis que o amor falou através de pessoas.
Eu já trazia comigo o antigo sonho de fazer o Caminho de Santiago, teria feito ele em 2018 quando completei 30 anos, mas devido a outras circunstâncias da vida o curso das coisas mudou e não foi possível. Foi então que anos passaram e quando os pensamentos sobre fazer este caminho voltaram mais presentes, aos 33, e eu estava na verdade me preparando para uma viagem mais longa à Itália, onde estaria ali por algumas semanas fazendo o processo de reconhecimento da minha cidadania, foi numa conversa com a cara amiga Emília, que ela me disse “você sabe que aqui na Itália tem o caminho de Francisco né?”, meu coração vibrou com aquilo. A questão se fechava ali, clara como o dia, fazia todo o sentido pra mim.
O caminho até o caminho
Dali em diante começaram as pesquisas para entender o caminho e a certeza só crescia dia após dia, ainda que, inegavelmente o medo também se fazia presente com os relatos que lia.
O caminho de Francisco é um caminho pouco percorrido, não tão bem estruturado como o famoso de Santiago, e boa parte dos relatos que lia diziam algo como “se esta é a sua primeira peregrinação não faça”, o caminho é exaustivo pelas subidas e descidas, pedras, montes, mata mais fechada onde os sinais nem sempre são tão claros, enfim, tudo para assustar uma mera principiante. Segundo ponto, “não é um caminho que se sugere fazer sozinho, as pessoas normalmente vão em pequenos grupos ou em dupla”.
Foi então que tendo pelo menos um lapso de consciência considerei fazer o caminho do Sul ao invés do Norte, este era o qual gostaria de fazer a princípio mas que apresentava o maior número de condições adversas, também pela época do ano em que as poucas hospedagens que haviam pelo caminho poderiam não estar abertas.
Eu queria fazer o caminho sozinha, era assim que sentia ser o ideal pra mim naquele momento. E assim fui. Nos últimos momentos, tomada pelo medo de alguns relatos que continuei a ler, comecei a procurar companhia nos grupos do facebook, mas nada, ninguém, partiria do mesmo ponto que eu ou próximo naqueles dias.
Como eu já caminhava bastante não me preocupei tanto, sabia que precisava intensificar a caminhada nas semanas anteriores e assim o fiz. Tinha energia, me sentia saudável, confiava no meu corpo e apesar de saber que seria difícil sentia que estava de acordo com o que podia fazer. Pense se este é o seu caso (caso esteja pensando sobre o assunto, e se não for, saiba que tem condições de se preparar).
A beleza do caminho
A média diaria que eu caminhava antes já era de 5km a 15km, intensifiquei para de 10km a 20km por dia nas duas semanas anteriores. Nunca fui atleta, mas sempre fui ativa, e sinto sim que isso fez toda diferença. Até porque senti o quanto 10km na rua são completamente diferentes de 10km na montanha, santo cárdio. Comprei o bastão de peregrinação pra ajudar, um par de meias adequadas pra evitar bolhas, tênis adequado (um número maior) e preparei uma mochila com não mais de 7kg. Isso tudo é pra não sofrer além do necessário, e estar aberta para todas as outras coisas, estímulos, insights, olhos e percepção para tudo o que o caminho pode apresentar.
Só caminhando pelo caminho de Francisco pude de fato entender porque ele deixou registrado o louvor tão sagrado à natureza, foi como sentir o valor de cada folha de cada árvore, de cada gota d’água, de cada feixe de luz do sol. Foi também me assustar no caminho, me perder, perceber erros brutais da minha pessoa, mas também cantarolar com o vento de alegria e sentir toda a beleza de ser minúscula perante tanta real grandeza da Vida e ao meu redor.
Acho que tem muitos sentires e histórias que preencheram o caminho que cabem em outro post, em outro momento, e este aqui é só mesmo pra incentivar e dar uma ideia a quem considera essa possibilidade.
A fonte que mais me ajudou a planejar foi o site oficial do caminho de Francisco https://www.viadifrancesco.it/pt/ e uma mãozinha dos que conheci no grupo de peregrinos do Facebook https://www.facebook.com/groups/viadifrancesco/?ref=share.
No mais, sim: é um caminho difícil!
Se eu o fizesse hoje o faria acompanhada, justamente por ter áreas remotas e com possibilidades de se machucar pelo caminho – por exemplo. Torcer um pé no pico da montanha onde talvez mais ninguém vai passar naquele dia. Me senti negligente neste sentido. Isso é real. Mas também é real que tudo pode ser para melhor, como foi pra mim e pra outros poucos que o percorrem dessa maneira. É possível. Encontrei 12 pessoas no total de 9 dias, era outubro, e isso dá pra ter uma ideia a quem também está nas pesquisas.
No mais, o que posso dizer… “Quando o amor chamar, segui-o. Embora seus caminhos sejam agrestes e escarpados”…
E acima de tudo, um bom caminho! De vida.