Artesã de si: o bordado e o florescer
Existem muitas formas de ver o mundo. A minha lente é a das sutilezas. Esse relato fala sobre ciclos e a força do verbo concluir. Há tempos ele esperava por mim. A vida não é linear, é preciso ver além e ligar pontos.
O fio Celta
Esse ano passei o verão na Irlanda, de casaco na praia e com direito a molhar os pés nas águas geladas. As mãos tocando a água do mar que tanto me atrai e com a companhia da minha pequena sobrinha Eloah. É um país que sinto conexão profunda com o aspecto sutil e divino.
Minha história com a Irlanda começou há muitos anos atrás. Sabe aquele tipo de cena que nos marca? Eu vivi uma em relação ao mundo celta. Foi um abrir de olhos (do coração) bem grande, onde me senti surpresa em encontrar o que acreditava ser a vida. Foi bem simples, eu esperava para ler tarot na casa de uma das primas bruxas da minha mãe e vi um livro no sofá. Resolvi abrir aquelas páginas, e elas me abriram para a vida. Ao ler, eu só sentia a harmonia da natureza percorrendo todo meu ser com muita verdade.
O encontro da verdade. Aquilo que o homem moderno tanto havia esquecido, que é viver em sintonia com o mundo natural. É saber que árvores, água, terra são expressões do divino. São sagradas. São templos de Deus a céu aberto, abundantemente disponível para nós vivermos em conexão. Sigo buscando conhecimento entre o mundo celta e cristão, mas esse é assunto para outro momento.
O fio da Itália
Quando falo da Itália, falo de um pedacinho chamado Marche, de uma cidade chamada Jesi, que fica na província de Ancona. Procurar lugares pequenos é uma marca que carrego por todos os lugares que passei. Um dos meus conflitos, porque amo o caos da cidade grande. Só que meu amor por elas dura poucos dias, então minha busca seja lá onde fosse era morar em locais com vida calma, porém próximos de uma cidade grande. Foi assim em Jaguariuna, em Media nos EUA e quase em Londres, mas mudei antes de concretizar.
É minha raiz de Atibaia, sem dúvida. A cidade da minha mãe que me fez sair de Salvador tão jovem e marcou todos os meus passos. As dores não vistas que nos movem. É preciso buscar caminhos de consciência.
E foi aqui na Itália, morando na origem da família também materna (alô mulheres com dores do feminino) que não teve mais pra onde fugir. E olha que eu arquitetei vários planos de fuga, mas a vida sabia que eu queria ver. Eu pedia para ver. As situações que comecei a passar eram dignas de roteiro de cinema, tanto as boas, quanto os dramas repetidos e muito mais elaborados.
É assim que funciona. A vida, por ter interesse no nosso crescimento, nos dá elementos para ir além.
E quando a gente pede, nossa… parece que ela faz uma festa. O que mais me chamava atenção era uma tranquilidade no meio do caos. Internamente, lá no fundo eu sentia que estava tudo certo. A esperança e a fé cultivadas são bálsamos para as tempestades que passamos. Sem elas, eu não teria suportado.
E nem sem Mattia, o portal que Deus enviou para me ajudar a permanecer. Tem um trecho do livro Mulheres que Correm com Lobos que ela fala que “amar é ficar com” e conta sobre nossos impulsos para fugir. Esse livro foi uma das peças fundamentais nesses 5 anos de universidade da vida na Itália. Já posso pegar meu diploma.
Os encerramentos do Outono de 2023
Bom, ontem, 15 de Dezembro, foi um dia especial. A conclusão dos encontros de Bordadeiras oferecidos pela Marina Brandão. Foram as sextas-feiras mais delicadas do meu fim de outono. E foi essa palavra que disse no primeiro dia no nosso grupo Fio da Vida. A intenção dá o tom.
Ontem, no encerramento, a espiral que percorremos com os elementos da natureza floresceu meu ser. Há muito tempo não me emocionava ao ouvir depoimentos, muito menos falando. E lá estava eu, deixando minhas lágrimas falarem. Que bonito.
A gratidão se faz presente nesses momentos e a gente sente o ar mais leve.
Nada me toca mais do que ouvir as histórias de outros humanos. A história dos tempos, dos povos, das culturas. E nesse ritmo, concluí também minha pós em Desenvolvimento Humano e Logoterapia. Juntos, Viktor Frankl e o fato de me colocar em desafio de voltar a estudar nos moldes tradicionais, foi o melhor presente de cura que me dei. Nunca vou parar de estudar, de me encantar com as criações e com o conhecimento.
Com o intelecto e com o artesanal. Com o antigo e o moderno. Eu vejo a beleza dos mundos. De todos eles. Tudo é continuação, não existe separação.
E pra ficar ainda mais significativo, minha intenção com o bordado, além de fazer com delicadeza era me manter na proposta. Era ter o compromisso de fazer no tempo certo. Sem rigidez, mas sem perder o trem. E quem mostra que está tudo certo?
O coração, os encontros, os símbolos que só vivendo com presença e sentido a gente pode ver.
Os fios da escrita, do café e das cartas Celtas
Terminamos o encontro, saí para caminhar com a Lol e tomar um cappuccino. No café, a simpática moça que faz um dos melhores cappuccinos, pergunta meu nome, com aquela expressão de quem diz que já era hora da gente se conhecer. Uma graça. Deve ser porque outro dia eu perguntei pra ela sobre a viagem para Paris e assim nossa intimidade cresceu. Eu adoro cumprimentar pessoas, conhecidos e desconhecidos.
Saindo de lá, no outro lado da rua vejo o senhor que levantou a polêmica com o outro atendente que trabalha lá. Contei dias atrás no Instagram, que eles estavam quase se alterando (italianos!), e eu logo tratei de acalmar os ânimos com meu lado mediador de ser.
Essa palavra ficou em mim. Mediadora. Pois bem, pensei nele no mesmo dia e olha ele lá. Ainda me convidou para voltar e pagar um café. Agradeci e avisei que Mattia me esperava, mas que semana que vem estarei lá pra gente papear.
Ao voltar, as cartas das árvores celtas, cheias de significado. Pessoas, falas, mais e mais comunicações sutis, sinais, confirmações. O nome pouco importa, o que conta é o sentido que os fios fazem quando se unem. A grande rede que somos. É emocionante, é de fazer vibrar o coração.
E assim, foi meu dia. Com encerramentos em grande estilo. Que nada mais são do que conclusões de capítulos importantes, abrindo espaço para novas aventuras, como saiu na mensagem dos Anjos. Aventura é estar aberto à vida. É se entregar ao que chega até nós e confiar.
Agradeço mais uma vez o compartilhar da Marina, que me conectei no Espírito Selvagem, comunidade da Paula Quintão, nossa queridíssima mentora. Lembro que escrevi pra ela dizendo que quando chegasse o Outono eu iria fazer aula de bordado com ela. Mal sabia eu que, na mesma época, teria início essa bela entrega e que dentre tantos fechamentos de ciclos, meu Outono seria tão bem embalado.
No ritmo do bordar. Na delicadeza que busco para viver.
Até os próximos fios, artesãs de si.