Novas Amélias, por quê?
Preciso começar com a confissão de que por algum tempo duvidei de manter esse nome por causa do período conturbado que vivemos na sociedade. Mas ele se tornou mais forte que eu. Tocou outros corações e me deu a oportunidade do encontro com pessoas no aspecto que eu mais precisei cuidar, e da forma mais delicada que eu poderia encontrar. Falando de humano para humano, do feminino ferido e da busca da essência. Foi um caminho de abertura, e continua sendo.
Uma busca, acima de tudo pela liberdade, das prisões que criamos para nos proteger, e das histórias que inventamos, mas já não nos servem mais.
É a volta ao lar. Ao lar da alma. Aquele espaço que é permitido ser quem se é.
E nesse texto, vou falar um pouco de como começou essa brincadeira, que hoje é esse blog que se inicia. O ponto de partida foi sim o cuidado com o lar. E com tudo que ele representa.
Quero, aqui, poder contar as lições que aprendo, as experiências que passam por mim, os estudos que escolho e tudo que me inspira a crescer. Dificilmente conseguem me rotular, costumo mesmo é confundir quem gosta de agendas e grupos fechados. Pertenço a minha história, meus pais, antepassados, meu Brasil e tudo que veio a partir daí.
Eu sou Emília, simples assim. E Novas Amélias é para falar das sutilezas, da natureza e de uma busca por mais delicadeza. Pra olhar além.
Encontro de gerações
E quem é Amélia? Ela é a minha avó materna. Sabemos que esse nome acabou tendo um significado nada bem visto através de uma música. É tão complexo que virou tema de trabalho acadêmico.
Escolhi olhar com outra lente.
Lembro que ela não gostava da associação do nome a algo menor. E isso me tocou fundo. E ainda me comove através do olhar de tantas mulheres, criadas por outras Amélias, que se recusam a ver o valor de quem as nutriu. Ficam na dor. Detestam ou não conseguem fazer o trabalho invisível da casa, por exemplo. Ninguém paga, né? É.
E esse peso do fazer o que precisa ser feito tira a paz de muita gente. E reflete em outras esferas da vida.
Não sou ingênua e não desconsidero as razões que levaram a essa situação. O que não quer dizer que eu não posso ter o direito de ver beleza numa casa arrumada por mim. E quando tem café e bolo da tarde, roupa lavada e passada, vidros limpos pra ver o mundo de fora. Poeira tirada é clareza na mente. Objetos organizados é calmaria. Procurar e achar. Objeto que enfeita é certeza de sorrir ao olhar pra parede. Lá tem uma parte da minha mãe, tem um quadro de um dia especial que comprei com Mattia, tem o copinho que meu pai me deu, lá de Dublin. É minha. Meu espaço sagrado. Ela é importante.
Valorizo a sensação de bem-estar quando termino os afazeres domésticos. Enquanto estou lá limpando e organizando percebo um mundo se movendo dentro de mim. Gosto. E respeito quem não gosta, mas é que um grito de liberdade ao contrário, a gente precisa dar de vez em quando. Afinal, quem nunca olhou torto pra mulher que decidiu ficar em casa cuidando dos filhos?
E tem quem escolha ser “só” dona de casa, “só” mãe. E ainda vão pela estrada corajosa do empreender. Isso precisa ser valorizado. Será que esse “só” não é fruto de uma visão distorcida?
É preciso fazer reflexões. É tempo bom para elas. O diálogo nunca foi tão raro.
Ligando meus pontos
O nome Novas Amélias surgiu como uma brincadeira, há muitos anos, ainda quando eu morava em repúblicas com outras meninas em Campinas. Logo percebi que a maior parte não sabia fazer os serviços básicos para uma vida funcional dentro de casa. Eu brincava que iria dar curso. Uma delas tive que ensinar até a usar máquina de lavar. Certa vez, decidimos chamar uma pessoa para ajudar na limpeza e ela dizia que aquele era o único apartamento de estudantes no prédio que parecia uma casa. Tinha organização, limpeza e beleza. Sorri, cheia de orgulho.
Pra mim, lar é sagrado. Procurei fazer de cada lugar que passei, um canto de aconchego. Até quando morei num trailer (numa fazenda que trabalhei na Inglaterra), levei coisas para me reconhecer naquele pequeno e estranho espaço.
Mais recentemente, num curso, o nome Novas Amélias voltou, e lembro do olhar de mulheres sinalizando o quanto fazia sentido. Vi que era algo nosso, que tinha mais gente em conflito com esse lugar de negação.
Pra completar o ligar de pontos, encontrei o amor do outro lado do mundo. É também por causa da família da minha avó Amélia que tenho o direito de ser cidadã italiana. Foi Mattia que me falou, assim como minha avó, que acreditava no amor. Aquele dia me senti uma boba. Não tem outra palavra.
Como ser humano, como eu poderia ter me distanciado tanto de acreditar que era possível uma vida boa com outra pessoa? Era como se eu dissesse não acreditar mais em mim mesma.
Lições de entrega e humildade que a vida me presenteou. Muito didática, ela me ajudou a selar essa caminhada de dores não vistas e lutas que me trouxeram mais distância de tudo eu queria. E como cenário, os países que passei. Cada lugar me ensinou algo. A ganhar, a perder, a me relacionar. No fim, é sempre sobre as relações. Sobre humanidade.
Resolvi que sim, esse nome deveria ser mantido. Por mim, por ela, por nós. As viagens e as casas que passei, as pessoas que conheci, todos eles como portais. Reunidos aqui.