As peregrinas na minha vida
Assis, sair de si
Outono de 2021, manhã de domingo. Minha irmã, a peregrina de muitas idas à Santiago de Compostela, e meu sobrinho estavam aqui na Itália. Minha amiga Mariana, estava para fazer sua primeira peregrinação. Tudo muito simbólico, já pra começar. Lembro do olhar da veterana para a principiante, e vice versa. Foi um diálogo profundo e sem palavras. Eu me empolgo só de lembrar. Acho tão forte essa capacidade humana de apoiar o outro num caminho já percorrido. No caso, literalmente um caminho! Eu, como sempre, promovendo encontros e ansiosa para ouvir as histórias que serão criadas. Nada me anima tanto quanto o movimento em busca do desconhecido.
Uma semana depois, seria aniversário da minha irmã e o final da peregrinação da Mari. É, não tinha como escolher outra forma de celebrar senão com um encontro em Assis.
Comentei no texto Assis e as viagens do sentir sobre o sair de si que a cidade representou pra mim. Foi nessa ida que percebi do que somos capazes quando queremos fazer algo de bom para outro. De superar medos ou acomodações. Num ato simples, percebi a grandiosidade desse significado. Tenho um problema com estradas pequenas e por isso não gosto de dirigir na Itália. Apesar de ter dirigido em várias cidades grandes e confusas, aqui eu evito ao máximo. Eis que, resolvo me encher de coragem e partir rumo à Assis. Caiu minha ficha naquele momento da decisão. Era como se não houvesse opção diante de algo tão maravilhoso que a gente poderia viver. E dependia apenas de mim, era nosso momento. Mattia iria ficar e estava feliz da vida de me ver ir além. Vai, Emília, vai. Como fazem as boas companhias. Incentivam.
Na estrada, no caminho
Além da coincidência desse encontro de peregrinas na minha casa, algo surpreendente aconteceu. Antes de sair, com toda calma do mundo, mando um áudio para Mariana.
– Estou saindo agora, vá tranquila que eu vou sem pressa. Quando a gente se encontrar, a gente se encontra.
Eu fico rindo enquanto recordo essa fala esquisita, mas é que foi isso mesmo. Quando a gente se encontrar, a gente se encontra. É como dizer: olha, segue o seu caminho em paz, que eu estou seguindo o meu. Cada um no seu tempo, como deve ser.
Foi muito bonito. Sentia mesmo uma paz, apesar do desafio.
Agora, preparem o queixo pra ele não cair. Não é exagero. Sério.
Qual a chance de uma pessoa sair de casa, percorrer 100 km de carro, e a outra sair de outro canto a pé e as duas chegarem em Assis na mesma hora?
Pois foi isso que aconteceu.
Assis estava lotada e eu fui subindo pra procurar estacionamento. Numa curva, resolvo olhar para o lado direito. Contrariando a direção de quem sobe à esquerda e deveria olhar pra frente. Olhei. Virei. Olhei de novo. Não acreditei. Era Mariana!
Comecei a gritar: Edlene! Olha, a Mari! A Mari! Não acredito! Você ta entendendo que chegamos juntas em Assis? Minha irmã sorria com olhos arregalados de quem não acredita em tamanha coincidência. A gente repetia “não acredito, não é possível!!”, sem parar. Foi demais. O clima era de festa dentro do carro.
Eu vi justamente a cara de quem está exausta de alegria. A expressão de quem sabe que venceu. De que se superou. De que aquela vitória era única. Os olhos me contaram tudo. Num segundo, tantas histórias reveladas.
Corri pra pegar o telefone e contar pra ela que havíamos sido testemunhas da sua chegada em grande estilo! E ela sem acreditar também no grande encontro.
De novo, reforcei. Vamos com calma. Chegue, tenha seu momento. Não é todo dia que se faz a primeira peregrinação, né gente? Combinamos que a hora que eu conseguisse parar, avisava. Meia hora depois, conseguimos uma vaga. Eu queria ir na Igreja de Santa Clara, porque não havia ido da outra vez. Quando subo a escada, a surpresa: estacionamento da Igreja de Santa Clara. Confirmações.
Em seguida, ligo para Mariana, e ela diz que era justamente lá que estava esperando a gente chegar pra ir.
Mais uma vez, as coisas que acontecem com todos. Mas nem todos percebem a maravilha que é viver com presença e entrega. Não é fantasia e nem brincadeira dos sinais. É comunicação inteligente que a gente não sabe explicar. É o fluxo da vida e suas formas de fazer a gente ver que está tudo caminhando como deve. Tudo certo.
Eu vejo assim. E agradeço a Deus pelos caminhos e a força para seguir.
Comemos meu famoso pão com queijo e só, depois passeamos, tomamos um vinho.
Só alegria e celebração.
Eu e minhas peregrinas. Edi e Mari. Nosso pequeno Enzo, com sua pureza. Lindo e sorridente. Amoroso. E São Francisco, abençoando os que nele se inspiram.
E assim, seguimos. Voltamos pra casa.
Aliás, se ainda não viu o relato da Mari, leia aqui , ela comentou um pouco da experiência com um tom lindo de entrega aos chamados do coração. Não foi fácil, foi preciso muita coragem. Muita mesmo. Lembro das nossas conversas e o dia marcante que até um lobo apareceu! Eu sou a amiga que diz: que demaaaaais!!! Um lobo!!!! E ela é aquela que fala calmamente: Emília, um lobo. Um lobo. Recolhi minha animação sem noção, e ouvi atentamente o que ela havia sentido. Aliás, a gente se falava todo dia. Eu me sentia lá e como ela mesma disse, fazer esse caminho sozinha não é bom. Confesso que fiquei colada no telefone, esperando notícias. Mas dentro de mim, sabia que tudo correria bem.
E foi assim, que o caminho se fez. Com a perfeita mensagem de confiança. Que tudo está certo quando seguimos o fluxo da vida e somos guiados pelo coração.