O convite ou a invasão da fé
Olá, caras pessoas.
Esse texto era um post no Instagram, mas como os caracteres acabaram antes de eu colocar a frase principal, entendi que era hora de estar mais aqui. Por isso, faço essa breve introdução antes do post que virou texto.
O meu caminho
Falar de fé é uma das tarefas mais intrigantes da humanidade. A minha vida toda eu vivi conflitos de fé. E ainda vivo. Então, esse espaço que abro é apenas para compartilhar pensamentos sobre essas vivências.
Acreditar em um único caminho era impossível. Busquei, busquei e me perdi. Existia uma rebeldia desde cedo. Bom, preciso explicar que fui batizada tanto na Igreja Católica quanto no Candomblé. Imaginem a confusão do ser. Por outro lado, eu achava super legal dizer que eu tinha quatro padrinhos. Creio que fazia parte do pacote de ser a diferentona. Isso teve um peso depois. Faz parte do processo de se conhecer.
Depois comecei a sofrer com coisas que eu sentia e não entendia. Fui levada ao Espiritismo e lá fiquei por alguns anos, ativamente. Tinha período que ia três vezes na semana. Prematuramente, fui colocada para ser uma das médiuns e trabalhar com passes energéticos. Hoje eu vejo o tamanho da confusão, mas honro mesmo assim. Aprendi muito. Um dia falo mais sobre esses lugares. Passei muito tempo envolvida na Fraternidade Branca. Visitei algumas igrejas evangélicas no Brasil e EUA. Fui em templo Budista, centro de Umbanda. Uma busca sem fim e uma única negação: a Igreja Católica. Por ela, só revolta, tanta que até me recusei a fazer a primeira comunhão.
Mas como sempre digo, a vida é generosa. E paciente. Ela foi me convidando. E isso é bonito. Quando acontece um convite. Ele é sutil, desperta interesse. Começou em Paulínia, depois em Campinas. Eu e minhas andanças. E as figuras centrais: minhas sogras. São muitos pontos a ligar.
Bom, já deu pra ver que tenho muito a contar sobre toda essa jornada do espírito. Tenho um caderno que comecei a selecionar momentos de encontros de fé aqui na Itália. Eu diria que é o país que, por duas vezes, vivi as maiores transformações da minha vida. Em 2016, por apenas um mês, e em 2018 que se estende até o presente verão de 2024. Em todos eles, a Igreja foi palco central.
Mas vamos ao post de hoje. Incluo abaixo um trecho do livro que li hoje cedo e cito no texto.
Crucial para aqueles que vivem na Idade Moderna é a falta de sentido de continuidade, que é tão vital para uma vida criativa. A vida facilmente se torna um arco cuja corda está quebrada e do qual nenhuma flecha pode voar.
Henri Nouwen
A invasão da fé
Tomo meu café e começo uma leitura. Há algum tempo parei de rolar o celular de manhã para ver notícias e comecei a ler algum livro que me eleva.
Sigo com as tarefas do dia. Até que parei para rezar. Estou voltando à rotina depois da ida até a Irlanda e estava sentindo falta. É momento da Quaresma de São Miguel.
Toca o interfone.
Foi bem estranho, não esperava encomenda e estava imersa no terço da madrugada do Brasil. Quem será?
– Senhora, bom dia. Não me conhece, mas gostaria de falar sobre como está o mundo hoje. Será que um dia vamos parar de sofrer? Quero falar sobre como podemos viver e não perder a esperança.
E seguiu com mais algumas palavras que não me lembro exatamente. Mas o que ficou foi forte.
Respondi surpresa e até empolgada, pois eu estava lendo sobre esse tema mais cedo.
– Também ando pensando nisso tudo. Estava lendo um livro sobre as feridas do homem moderno e estou, agora mesmo, rezando o Rosário com as freiras.
– Ok. Obrigada, senhora. Posso deixar um folheto na sua caixa de correspondência?
Assim, do nada, acabou nosso diálogo por interfone. Fiquei pensando o que falei de errado. E aí, me toquei que muitas pessoas, para acabar com as visitas desse tipo, usam desculpas como essa que falei. Mas no meu caso, era verdade! Ele deve ter achado que eu estava inventando aquilo. Pensando bem, foi engraçado. Quando contei para o Mattia, ele riu com aquela cara de quem não se espanta mais com esses fatos “curiosos” no meu dia a dia.
Mas falando sério, como é necessário saber se colocar no mundo. Se eu vou até sua porta para falar de Deus, devo saber o que me espera. Independente da resposta, devo manter meu propósito de levar a palavra, se permitido. Ou me retirar com gentileza, quando não for do interesse do outro. Com gentileza e aceitação.
Já é a terceira vez que os “irmãos” se fecham quando falo que estou procurando seguir o caminho católico. Até pensei que é uma forma de respeitar minha posição. Mas é aquilo, tem formas e formas de se despedir. Já disseram, certa vez, para minha mãe que deveria acordar mais cedo, depois que ela disse que não poderia seguir a conversa na porta de casa porque estava com o almoço em andamento. Absurdo. Em tempos de crise, vale aqui lembrar o quanto é importante não cair no preconceito. Temos de tudo em todos os lugares.
O ponto é um só e serve para todas as relações. É o “como” falamos. Como nos colocamos diante de uma pessoa que, no caso, nos recebe. Como entramos na casa do outro. No seu espaço sagrado.
Voltando ao assunto da religião, gosto de conversar sobre a fé. Não importa qual. Gosto de ouvir as pessoas e suas descobertas, crenças e transformações. Cada pessoa e sua história. Acredito que esse assunto precisa ser de acolhimento total. Ninguém sabe as batalhas internas do outro. Suas feridas e dúvidas. Ou ainda, o que busca e muitas vezes não sabe.
Verdadeiros encontros de fé
Tenho um momento marcante sobre isso. E deixo a imagem amorosa do padre de uma cidade vizinha, quando numa crise espiritual, perguntei a ele sobre minha dificuldade em escolher uma religião. Ele perguntou quais eram os caminhos que eu estava em dúvida. E eu, muito honesta, falei que gostava do judaísmo e da cabala. Que me fazia muito bem.
Veja bem, um ponto secundário, mas não menos importante é que eu não estava na minha casa, estava na casa Dele. E então, Dom Marco, queridíssimo, se levanta e leva suas mãos ao coração. Fecha e abre os olhos enquanto dá aquele suspiro de pura entrega e diz:
– Minha querida, eu compreendo. A única coisa que posso te dizer e te mostrar é o caminho que eu fiz, que tocou meu coração. Do Nosso Senhor Jesus Cristo. Da Igreja.
E foi assim que ele me ganhou. Eu vi, como se houvesse mesmo uma luz e uma estrada a partir do seu peito. Aquele gesto ficou em mim.
A liberdade da fé
Acreditar ou não, é uma escolha. A liberdade precisa ser respeitada.
Sigo buscando meu caminho, mas confesso que esse padre abriu uma porta imensa e fez meus olhos, mais uma vez, enxergarem a beleza que existe na Igreja.
Sobre a pessoa que tocou meu interfone, desejo paz no caminho dele. Mas mais ainda, que saiba encontrar seu lugar quando for levar a palavra que ele acredita ao outro.
Da minha parte, espero que através deste e de outros textos que poderão ser publicados sobre a vida sagrada, a Igreja e minhas experiências, seja possível chegar um pouco de conforto ao coração. Assim como encontrou a minha alma num momento de angústia. É preciso encontrar formas mais elevadas de viver a vida interior.
Eu nada sei, mas tenho encontrado meu caminho. Que seja de luz.